Quando começamos a debater sobre a cultura brasileiras e suas origens, é normal nos esbarrarmos na problemática do Brasil ser um país colonizado. E por este motivo nossa cultura acaba por ser quase um espelho de diversas culturas, mas principalmente européia. E como uma forma de não piorar o diálogo nos calamos em nosso passado e passamos a olhar o futuro como uma oportunidade de escrever uma nova história para o Brasil. Como um historiador e crítico da moda, minha cabeça foi invadida com uma pergunta:
“Podemos falar de moda no Brasil antes da chegada dos portugueses?”
Algumas pessoas irão considerar essa pergunta descabida e com uma resposta mais que óbvia, sendo ela NÃO! A negativa se basearia no fato de que se comparado a Europa e outras culturas sofisticadas do mesmo período, os povos nativos, do Brasil pré-colonial, não interagiam com o sentido de moda. Em contrapartida é interessante levarmos em consideração que esse olhar de certo seria anacrônico e até mesmo limitado. Primeiramente, pois estaríamos olhando a história do Brasil pré-colonial com uma visão européia e segundo ignoraríamos toda a visão particular das culturas deste período e como elas interagiam com o mundo.
Quando olhamos a história do Brasil, antes do período colonial, uma nuvem de mistérios aparece, já que as culturais locais não possuem qualquer registro escrito dessa história. Seria um ponto final, se não fosse pelo registro material deixado por essas culturas, que apesar de não ser vasto é de suma importância.
Através de registros fotográficos, dos membros da tribo Araweté, há uma notável preocupação estética nas culturas indígenas do Brasil. A vestimenta não tinha razões morais, técnicas, religiosas ou mesmo estéticas para se sofisticar nessas culturas, principalmente ao levar em conta que o clima da região brasileira exerceu notável influência. Os povos indígenas deste momento desenvolveram uma forma de se relacionar com seu clima e subsequentemente uma outra forma de lidar com a estética. E em estética não podemos conceber que não havia uma sensação de belo e feio nessas culturas, elas existiam, mas com grande chance de serem concebidas de forma diferente da nossa raiz cultural atual. No caso Araweté, uma tribo do Pará, nota-se a ausência de sobrancelhas (algumas etnias de índios raspam as sobrancelhas por razões aparentemente estéticas), a falta de vestimentas, o uso de acessórios de cores primárias e o uso de pintura corporal.
As tribos possuíam um arranjo sofisticado de indumentária, os quais visavam distinguir as demais etnias umas das outras e afirmar o elo destes com seus ancestrais. Devemos passar a vê-los não como culturas engessadas no tempo, pois assim desprezaríamos todas as possíveis transformações que foram efetivas ao longo da história destes povos. A natureza de sua arte e visão de transformaram na medida do tempo e da interação e junção destes povos, que ora podiam se juntar, guerrear ou até mesmo interagir. Desenvolveram assim uma “moda comum” para a tribo, e assim se afirmarem como comunidade dentre outras mais, nesse aspecto a moda é uma segurança ao membro da tribo.
Devemos aceitar que o poder da afirmação não reside nos membros de uma tribo, mas se faz visível de tribo para tribo. Na cultura indígena brasileira, o conceito de individualidade não existe, ele se dissolve na relação entre os membros da própria tribo, a qual visa a sobrevivência daquele grupo. E assim a noção de grupo torna-se mais importante a se reforçar do que o indivíduo em si. Logo poderia-se encontrar um conceito de “moda” nessas culturas pré-colonialismo, uma moda mais parecida com os povos do paleolítico, onde a roupa servia mais seu papel funcional em um grupo, tendo a estética como um plano secundário.
O clima explicaria parte dessa ausência de roupas em um centro-norte do Brasil, por outro lado vemos o quão a necessidade é capaz de influenciar a cultura e o modo como as pessoas, de uma determinada região, enxergam o mundo a sua volta. Pode-se citar os índios da tribo Charruas, do Rio Grande do Sul, que possuíam uma repertório de vestimentas corporais mais elaborada que das regiões do norte do Brasil. Essa preocupação com a indumentária se fez necessária por conta de um clima mais frio e portanto tornou-se necessário ter formas de se esquentar em algumas épocas do ano.
Por fim, devemos compreender a cultura indígena a partir de sua própria perspectiva e respeitando seu conjunto de crenças e seu modo de interação com o meio, pois só assim poderemos compreende-los melhor. A importância desse artigo é dar uma teoria, muitas das ideias daqui fazem parte dos estudos do próprio autor e portanto trata-se de uma visão possível, mas não a única. O artigo tem como meta dignificar e inspirar o estudo da cultura indígena no Brasil e mostrar que a noção estética existia mesmo na indumentária, a qual tinha seu papel funcional na comunidade.