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Uma moda à brasileira: (Povos indígenas)

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Quando começamos a debater sobre a cultura brasileiras e suas origens, é normal nos esbarrarmos na problemática do Brasil ser um país colonizado. E por este motivo nossa cultura acaba por ser quase um espelho de diversas culturas, mas principalmente européia. E como uma forma de não piorar o diálogo nos calamos em nosso passado e passamos a olhar o futuro como uma oportunidade de escrever uma nova história para o Brasil. Como um historiador e crítico da moda, minha cabeça foi invadida com uma pergunta:

“Podemos falar de moda no Brasil antes da chegada dos portugueses?”

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Foto 1: Membros da tribo Yanomami.

Algumas pessoas irão considerar essa pergunta descabida e com uma resposta mais que óbvia, sendo ela NÃO! A negativa se basearia no fato de que se comparado a Europa e outras culturas sofisticadas do mesmo período, os povos nativos, do Brasil pré-colonial, não interagiam com o sentido de moda. Em contrapartida é interessante levarmos em consideração que esse olhar de certo seria anacrônico e até mesmo limitado. Primeiramente, pois estaríamos olhando a história do Brasil pré-colonial com uma visão européia e segundo ignoraríamos toda a visão particular das culturas deste período e como elas interagiam com o mundo.

Quando olhamos a história do Brasil, antes do período colonial, uma nuvem de mistérios aparece, já que as culturais locais não possuem qualquer registro escrito dessa história. Seria um ponto final, se não fosse pelo registro material deixado por essas culturas, que apesar de não ser vasto é de suma importância.

Foto 1: Membro da tribo Araweté

Foto 2: Membro da tribo Araweté

Através de registros fotográficos, dos membros da tribo Araweté, há uma notável preocupação estética nas culturas indígenas do Brasil. A vestimenta não tinha razões morais, técnicas, religiosas ou mesmo estéticas para se sofisticar nessas culturas, principalmente ao levar em conta que o clima da região brasileira exerceu notável influência. Os povos indígenas deste momento desenvolveram uma forma de se relacionar com seu clima e subsequentemente uma outra forma de lidar com a estética. E em estética não podemos conceber que não havia uma sensação de belo e feio nessas culturas, elas existiam, mas com grande chance de serem concebidas de forma diferente da nossa raiz cultural atual. No caso Araweté, uma tribo do Pará, nota-se a ausência de sobrancelhas (algumas etnias de índios raspam as sobrancelhas por razões aparentemente estéticas), a falta de vestimentas, o uso de acessórios de cores primárias e o uso de pintura corporal.

As tribos possuíam um arranjo sofisticado de indumentária, os quais visavam distinguir as demais etnias umas das outras e afirmar o elo destes com seus ancestrais. Devemos passar a vê-los não como culturas engessadas no tempo, pois assim desprezaríamos todas as possíveis transformações que foram efetivas ao longo da história destes povos. A natureza de sua arte e visão de transformaram na medida do tempo e da interação e junção destes povos, que ora podiam se juntar, guerrear ou até mesmo interagir. Desenvolveram assim uma “moda comum” para a tribo, e assim se afirmarem como comunidade dentre outras mais, nesse aspecto a moda é uma segurança ao membro da tribo.

Devemos aceitar que o poder da afirmação não reside nos membros de uma tribo, mas se faz visível de tribo para tribo. Na cultura indígena brasileira, o conceito de individualidade não existe, ele se dissolve na relação entre os membros da própria tribo, a qual visa a sobrevivência daquele grupo. E assim a noção de grupo torna-se mais importante a se reforçar do que o indivíduo em si. Logo poderia-se encontrar um conceito de “moda” nessas culturas pré-colonialismo, uma moda mais parecida com os povos do paleolítico, onde a roupa servia mais seu papel funcional em um grupo, tendo a estética como um plano secundário.

Foto 2: Membros da tribo Charruas. Percebam o uso de peles e uma maior cobertura do corpo.

Foto 3: Membros da tribo Charruas. Percebam o uso de peles e uma maior cobertura do corpo.

O clima explicaria parte dessa ausência de roupas em um centro-norte do Brasil, por outro lado vemos o quão a necessidade é capaz de influenciar a cultura e o modo como as pessoas, de uma determinada região, enxergam o mundo a sua volta. Pode-se citar os índios da tribo Charruas, do Rio Grande do Sul, que possuíam uma repertório de vestimentas corporais mais elaborada que das regiões do norte do Brasil. Essa preocupação com a indumentária se fez necessária por conta de um clima mais frio e portanto tornou-se necessário ter formas de se esquentar em algumas épocas do ano.

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Foto 4: Desenho de um membro da tribo Charruas do Rio Grande do Sul.

Por fim, devemos compreender a cultura indígena a partir de sua própria perspectiva e respeitando seu conjunto de crenças e seu modo de interação com o meio, pois só assim poderemos compreende-los melhor. A importância desse artigo é dar uma teoria, muitas das ideias daqui fazem parte dos estudos do próprio autor e portanto trata-se de uma visão possível, mas não a única. O artigo tem como meta dignificar e inspirar o estudo da cultura indígena no Brasil e mostrar que a noção estética existia mesmo na indumentária, a qual tinha seu papel funcional na comunidade.

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Uma beleza à moda grega

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Por vezes fica parecendo que blog se encerra no debate sobre a moda, contudo é importante também destacar outros tipos de moda que existem hoje, as quais vão além do vestuário. Hoje em dia, a beleza física entrou como um fator importante para nossa sociedade, ao ponto de Mike Jeffries (dono da marca de roupa H&M) dizer que sua marca não era para ser usada por pessoas feias. Um verdadeiro escândalo para a moral atual, mas afinal todos não fazemos a mesma coisa que ele? Distinguindo pessoas entre feias e bonitas?

A busca pela beleza não é uma coisa nova e ela acontece desde os primórdios do homem. Na Antiguidade a mulher mais cheinha fazia mais sucesso que a magra, pois afinal em um tempo de pouca comida a “magreza” era parte habitual de uma sociedade que não tinha um histórico de comida muito farta. A procura da beleza é originária de um processo complexo que procura, através de fatores culturais, sociais e ambientais, privilegiarem certas características estéticas que validam a aceitação de um membro em determinada cultura. A beleza é um processo de aceitação de um membro através da pressão da sociedade para que ele se adéqüe. Tal qual a moda, a beleza estabelece um vínculo de identificação de um individuo em um dos diversos nichos da sociedade, o situando e o qualificando. Creiam ou não, nosso conceito de beleza mudou, mas a forma que construímos o belo continuou intacta desde a Antiguidade, e neste vale ressaltar os gregos. Esta civilização é a origem dessa matriz que desregulou a nossa sociedade atual. É através do conceito de beleza ideal dos gregos que se fundamenta muito do sofrimento de nossa época. Devo ressaltar que o modo como os gregos viam a beleza em sua época era diferente do nosso tempo, mas o que sobreviveu não foi a percepção da beleza dos gregos e sim o ideal, a forma chave para se constituir o ser perfeito esteticamente em uma sociedade.

O processo de construção da beleza na antiguidade se resumia no seguinte exemplo:

Quando o escultor ia fazer o rosto da deusa Hera, ele sabia que não haveria um rosto para retratar tamanha beleza. Ele então escolhia as cinco jovens mais belas de uma cidade e pegava a melhor parte do rosto de cada uma das cinco e esculpia o rosto da deusa.

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“O princípio da arte como mimese ou imitação não contradiz o conceito da arte como invenção do belo: mimese não é a cópia do que o artista vê, mas confronto e escolha das partes mais belas para alcançar a recomposição de um conjunto belo, ou seja, de natureza não mais empírica, mas ideal.” (Argan, Giulio Carlo; História da Arte Italiana: Da Antiguidade a Duccio; 1968)

Se olharmos para o nosso tempo, a pintura e a escultura que procura retratar uma beleza ideal desapareceu, mas no mundo da publicidade essa “beleza grega” continua viva. Através do Photoshop! Não vamos falar do programa, pois seria ingênuo acharmos que essa construção de beleza ideal foi ressuscitada pelo Photoshop, quando ela nos foi dada desde o fim do século XIX e inicio do século XX. Em uma sociedade guiada por um capitalismo selvagem, tudo pode ser um produto passível de ser vendido, desde que haja alguém que queria comprá-lo. E a aparência é um produto que é vendido para que você caro leitor compre, mas não de uma forma com inúmeras opções, pois esta área da moda ainda é ditada.

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“A beleza é feita de um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil de determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, quer alternadamente ou ao mesmo tempo, a época, suas modas, a moral, suas emoções. Sem este segundo elemento, que é como que o glacê divertido, atraente, apetitoso do bolo divino, o primeiro elemento estaria acima de nossa capacidade de digestão ou de apreciação, não sendo nem adaptado nem conveniente à natureza humana. Desafio qualquer pessoa a apontar um único fragmento de beleza que não contenha esses dois elementos.” (Roland Barthes; The Fashion System; Berkeley; CA; 1983)

O mundo atual vive a era das ilusões, um mundo onde a beleza é ditada por aquilo que nem existe de fato, e esta é a diferença entre o modo de ver o belo dos gregos com o do ocidente atual, pois ao menos os gregos construíam o belo por aquilo que conheciam. A modelo que sofre inúmeras alterações para uma capa de revista pode ser um modelo de beleza, quando entre a modelo a capa há inúmeros retoques que fogem da realidade?

Exemplos de vídeos que abordam essa forma de construir o belo:

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Maria Antonieta: a Rainha da Moda

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Amada e condenada, a última Rainha da França é um ícone da história como vilã durante a Revolução Francesa, mas o que poucos sabem é que a moda só passou a ganhar autonomia através dos caprichos de Maria Antonieta. Esta vinha de uma família nobre tradicional da Europa, os Habsburgo, e sua chegada na corte francesa de longe não foi aceita com bons olhos pela nobreza tradicional de Versailles.  Para se explicar como a moda ganhou força através da Rainha teremos que abordar um pouco da vida dessa ilustre personagem.

Maria Antonieta nasceu na Austría, enquanto este ainda se entítulava como Império Austríaco, ela é a penúltima de 16 filhos e de longe não era uma candidata obvia ao trono da Austria. Desde pequena Maria Antonieta teve uma infância sem grandes preocupações, ele teve o melhor que sua época podia oferecer e claramente foi educada com foco no casamento, contudo concentrem-se nesse enfoque do casamento, pois na história desta personagem é de fundamental importância. No século XVIII, o casamento por amor é uma realidade distante e oras até absurda de ser concebida, pois neste rumo Maria Antonieta desde pequena havia sido prometida para o pequeno Luís (que mais tarde assumiria o título de Luís XVI) e foi criada para ser uma Rainha da França.

 

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Maria Antonieta aprendeu o francês, os costumes da corte de Versailles e tudo o que concernia a postura de uma rainha, mas é ai que entra a chave para entender esta personagem. Olhar para a Rainha Maria Antonieta com o olhar de nossa época é anacrônico, pois caimos na ilusão de que com toda esta educação ela poderia ter feito algo pelo Reino de França. Ela podia ser a Rainha dos franceses, contudo não governava e muito menos tinha educação para aconselhar o marido, o Rei Luís XVI. Os deveres da mesma, na corte de Versailles, era gerar um herdeiro, apoiar o seu marido, criar seus filhos e organizar a corte para os eventos que a mesma solicitava (bailes, encontros e etc). A Rainha Maria Antonieta era prisioneira de seu mundo e de seu posto, por várias vezes reclamou em cartas para a sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa, sobre a falta de desejo do seu marido por sexo, que acabava impedindo-a de cumprir sua função em tempo hábil. Em uma época em que o governo girava entorno de uma família um herdeiro seria uma benção para todo o reino, mas infelizmente Luís XVI demorou para dar a Maria Antonieta o tão sonhado filho que a deixaria confortável na corte de Versailles. E é nesta falta de virilidade do rei que Maria Antonieta adotou a moda como uma distração para as frivolidades da corte.

 

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“…obter informações sobre a última moda era tão trabalhoso que a costureira de Maria Antonieta achava que valia a pena viajar o continente todos os anos em um enorme berline cheia de bonecas vestidas nas últimas modes de Paris.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

 

Não é uma informação realmente útil, mas sim mais supersticiosa, mas Maria Antonieta era Sagitariana, como diz a astrologia, era uma pessoa divertida, impulsiva, animada, extrovertida e que gosta de se divertir. A moda para Maria Antonieta era uma diversão a parte, onde ela gostava de saber as últimas modas e aceitava a criatividade dos modistas como fonte de seu sucesso na corte. Antes de Maria Antonieta o monarca ditava como a corte deveria se vestir e isso ia se alterando conforme os desejos do rei (Luís XIV ficou muito conhecido por essas leis de vestuário). Com Maria Antonieta não ditando e sim aceitando a opinião dos modistas o papel se inverte e a moda passa agir não mais por normas estabelecidas e sim sendo guiada pelo próprio desejo de liberdade do estilista. A história é injusta com Maria Antonieta, a fazendo uma vilã do povo, pois de fato o povo não fazia parte de suas obrigações como esposa e rainha, mas ela tem sua relevância para a história e até hoje é ícone de beleza e sofisticação.

“Em princípio, um objeto em moda não precisa de nenhuma qualidade particular além de ser novo. O princípio da moda é criar uma velocidade cada vez maior, tornar um objeto supérfluo o mais rapidamente possível, para que um novo tenha uma chance” (Lars Svendsen; O princípio da Moda, Capítulo 2; Moda: Uma filosofia; 2004)

Esta procura do novo na moda, esse poder de lançar tendência é um legado dessa monarca que apesar de ter morrido sobreviveu na posteridade como uma das, se não a primeira Rainha da Moda.

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Fontes alternativas: Lever, Evely; Maria Antonieta – A Última Rainha da França ( que aliás recomendo, um livro que faz justiça as memórias dela) 

 

 

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A Parisiense: O DNA da Parisiense

Nota do Blog: Por muitas vezes nos sentimos vítimas das tendências e aqueles que detém mais poder econômico vivem da vida pelas marcas, no entanto para se ter um estilo a marca é a última coisa que é necessária. A Moda agora é algo vivo e autônomo, portanto deixe de lado as tendências e aproveite para criar seu próprio estilo e personalidade. 

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1.Fuja dos Conjuntos 

Esqueça o total-look; é preciso mis-tu-rar!

Saber mesclar estilos e marcas diferentes é essencial. Rimar chique com cheap conta 100 pontos no jogo. “Vestindo-se à la Parisiense”. Usar uma “it bag” já bem antiga com um suéter de cashmere demonstra mais talento do que copiar literalmente os últimos looks dos desfiles. A parisiense tem o espírito livre: ela não compra uma blusa e uma saia combinada na mesma loja. “Combinações possíveis” não é uma preocupação. A regra é simples: o chique é sobretudo não comprar conjuntos! Algo a aplicar sempre.

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2.Ela brinca de procurar

A parisiense adora descobrir novas grifes.

Principalmente se forem criativas e acessíveis. Ela fica mais orgulhosa com uma descoberta no supermercado da esquina (sério, há peças ótimas no Monoprix!) do que ser a primeira a possuir o último modelo de “it bag”, carérrimo, sobretudo se é vendido em lista de espera (que vulgar!). Seu guarda-roupa é habitualmente composto de “coisas baratinhas”, de roupas compradas em viagens e de algumas peças luxuosas. Assim, quando usa um jeans, nunca sabemos se é Gap, Notify, H&M ou Hermés! Ela não faz o gênero de torrar todo o seu salário num must-have. Primeiro porque não tem dinheiro, e depois porque considera que tem tanto talento quanto uma estilista: por que pagar caro por uma produção que ela mesma poderia ter imaginado? A parisiense tem essa arrogância de pensar que nunca estará fora da moda. Ela não liga para a moda. Embora sempre use um pequeno detalhe provando que domina as tendências. É aí que está seu charme.

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3.Use o que lhe cai bem

Você nunca vai ouvir uma parisiense se queixar de que a saia está muito curta, o vestido muito apertado e os sapatos muito altos.

Todas as garotas que entendem de estilo chegam à mesma conclusão: “O segredo de um bom estilo é sentir-se bem dentro da roupa”. Elas conhecem o próprio corpo, sabem o que lhes fica bem e o que combina com seu modo de vida. Se você não se sente à vontade com um suéter muito decotado, saltos vertiginosos ou calças justas demais, vá mudar de roupa!

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Todos os direitos deste material pertencem à: A Parisiense, por Ines de la Fressange com Sophie Gachet.

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Um guia de estilo: A Parisiense

Voltando ao mundo da escrita e do conhecimento!

Hoje decidi fazer um tour pelo livro a Parisiense, desdobrando seus conselhos e dicas de estilo. É meio ortodoxo falar de “guia de estilo” em pleno o século XXI, quando a moda já se tornou um mecanismo mais independente e suscetível a uma leitura mais individualista do que coletiva. Os anos em que o mundo da moda ditava ficaram para trás e o livro de Ines de la Fressange com Sophie Gachet pode parecer um legado deste mundo.

Mas não é! 

A Parisiense é um guia de dicas para aqueles que procuram mais repertório na hora de escolher, vestir ou comprar uma roupa. Acredito que ele seja uma boa base para poder se criar novos looks e também evitar certas gafes. Quando estiver a postar sobre estas dicas, caso não venham de mim, sempre estará contemplado o nome do autor e o designado livro, afinal melhor que ler em um blog é ter um livro para lhe acompanhar pela vida.

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Aqui irei marcar todos o demais posts que retirarei do livro, serão trechos e jamais o livro inteiro, pois tenho esperança que alguém se apaixone e também compre o livro. Colocarei o que acreditar pertinente para lhe ajudar meu caro leitor, então prepare-se para um emocionante guia de moda.

(Talvez seja um post que estarei editando constantemente para colocar cada link na medida que serão escritos, dedicarei meu Novembro neste pequeno projeto) 

Tópicos

  1. O DNA da parisiense
  2. Personal stylist
  3. Descombine
  4. Estilo sem Esforço
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Moda: Um diálogo sobre a arte

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Uma das atitudes que sempre devemos ter, para a vida, é possuir uma mente de iniciante. As pessoas se fecham a conceitos imutáveis e duros tendem a serem obsoletos na medida do tempo, e acabam por promover debates nada profundos, o conhecimento passaria por um crivo superficial. O debate sobre arte e moda deve sempre estar aberto e livre de certezas absolutas, pois há como definir assuntos tão subjetivos?

A moda é arte?

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Apesar do assunto já ter sido abordado anteriormente, decidi trazer ele a tona com mais especificidades sobre o assunto. Recentemente estava lendo o blog, Hoje Vou Assim, quando me deparei com o post: Qual a importância da crítica de Moda? E é a partir deste relato que vamos começar nosso debate sobre a arte a moda, pois creiam o autor do post não deve ter escrito nem duas linhas sobre a relação da moda com a arte, mas foi o suficiente para se criar um debate.

O autor do post é Augusto Paz, um analista de mídias sociais e jornalista de Modas sociais, e possui uma abordagem bem concisa e interessante em seu blog, no entanto foi apenas uma frase dele que me causou certo incômodo, talvez por seguirmos vias diferentes da percepção da arte, no entanto a critérios que devemos obedecer para não nos perdermos neste caminho.

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Novas reinterpretações da arte que se cola no caráter da Moda, uma amostra de que o funcional pode existir no mundo da arte.

“Acontece que, por razões que não cabe enumerar aqui, moda não é arte. Por mais bonita de se ver que seja a peça desfilada, a peça comercializada pelas marcas e magazines não é um objeto de arte e não deve ser tratada como tal. A moda, em termos de vestuário e em seu significado mais primordial, consiste em um fenômeno social de criação, cópia e descarte, que começou a ser observado na época das Grandes Navegações.” (Augusto Paz – Artigo: Qual a importância da crítica de Moda?)

Este é o ponto de partida, pois a análise do Augusto Paz está embasada em uma visão muito limitada da arte, pois mesmo hoje não há consenso sobre o que é arte.  Se ao mesmo tempo sabemos que a origem da moda está ligada com o fim da Idade Média e o Renascimento, falar sobre arte também está limitado pelo fim da Idade Média e o Renascimento. Podem achar horrível esta visão temporal do conceito de arte, pois temos provas de produções escultóricas e pictóricas desde a Pré-História, mas entra-se um dilema grande nessas produções. Estes povos produziam essas peças como obra de arte? Partimos do ponto que todas essas obras da antiguidade e pré-história obedeciam a uma função social dessas produções, elas não eram meramente estéticas, possuíam qualidades subjetivas e até mesmo objetivas para a sua cultura de origem.

Comparadas às figuras nas métopas ou nos frisos esculpidos, as figuras do frontão são mais altas, maiores (muito maiores), e limitam-se às duas fachadas principais do edifício. O próprio espaço requer um esquema narrativo mais complexo do que o requerido pelas métopas quadradas.

Uma vez que as esculturas do frontão constituíam o elemento primordial de todo o programa de esculturas do templo, a seleção dos seus tópicos era altamente significativa; e se de fato não havia uma tradição de representar esses tópicos, então a escolha feita é ainda mais notável. […] o Partenon foi projetado quando para celebrar as virtudes atenienses tanto quanto para celebrar a própria deusa, e enfatizar em especial o seu caráter virginal e guerreiro.(Mark D. Fullerton; Arte Grega, 2000; Capítulo I: A arte e a Pólis)

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Reconstituição moderna do frontão oeste do Partenon a partir de uma proposta de K. Schwerzek. Museu da Acrópole de Atenas

E é Mark D. Fullerton que nos elucida dessa produção que obedecia a critérios funcionais nesta sociedade, no fim era uma to de propaganda e divulgação do próprio pensamento grego. O artista não estava preocupado em abstrair a forma ou fazer o observador refletir sobre algo, o foco era transmitir um momento e representar ele o mais fiel possível. E engana-se aqueles que acreditam que essas esculturas eram de uso privado, elas pertenciam a polis de Atena, eram de uso público. E a Moda na Antiguidade também tinha uma ordem mais funcional que a de hoje. Os antigos mudavam seus estilos muito pouco, eram mais conservadores e estagnados.

A Moda nasce da prosperidade, da necessidade de se diferir socialmente de um grupo, principalmente a aristocracia e a burguesia. A arte como conhecemos nasce também de uma necessidade de diferenciação social, já que na Renascença, a Igreja Católica através da arquitetura e pintura, esperava mostrar uma nova igreja frente ao movimento protestante. E a própria burguesia e aristocracia passaram a se cercar de artistas, escultores e poetas para se destacarem. Notem que a arte obedece a uma questão funcional, mas ela na Modernidade tem um caráter mais pessoal (de poder de aquisição) e privado, do que no passado.

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A exposição Move! que já passou por Nova York, no PS1-MoMa. Em umas das performances do evento, em que o público se veste com peças criadas por Cynthia Rowley e, em seguida, leva um banho de tinta!

A roupa surge dessa necessidade de individualidade, o homem procura se diferenciar pelo o que veste e o que tem. E a partir daí estar “na moda” é uma necessidade de estar na atualidade.

Tanto a moda quanto a arte — talvez porque a arte está sujeita à lógica da moda — foram governadas por uma ‘ânsia de invocar’. Enquanto o artista o artista pré-moderno estava sujeito a uma exigência de permanecer dentro do arcabouço da tradição, o artista moderno esteve sujeito a uma exigência de exceder tais arcabouços — e sempre criar algo novo.” (Lars Svendsen; Capítulo 2: O príncipio da moda — o novo; Moda: Uma filosofia; 2004)

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São Paulo Fashion Week, coleção Primavera-Verão 2013/14; O que os estilistas da Uma, Têca, Cori e Tufi Duek têm em comum? Todas desenvolveram o diálogo entre moda e arte, trazendo instalações pro cenário do desfile ou partindo de referências pras estampas e modelagens das roupas.

A moda então tem uma história muito parecida com a arte, mas ela é uma forma de arte? Sim e não, pois nem toda a roupa pode ser tida como uma manifestação artística. Se nos encerramos no debate de que a arte é o objeto estético infuncional e que a funcionalidade desse objeto o invalida para ser a arte. Então muita coisa irá cair por terra, como arquitetura, design, moda e um nicho muito grande do que é a arte contemporânea. Atualmente os artistas não se limitam ao pincel e cinzel, mas também ao computador, a música, ao teatro e inclusive a moda. É bem verdade que algumas pessoas podem se aproveitar do discurso artístico para valorizar certo objeto, mas para validar uma obra de arte precisa-se ter afirmação do campo teórico e social. Muitas obras da Arte Contemporânea, no inicio do século XIX, não eram reconhecidas como obras de arte pela sociedade e nem pelo campo teórico. Tiveram de esperar mudanças sociais importantes para que estas pessoas as reconhecessem como obras artísticas.
A Moda pode ser arte, mas nem toda a moda é arte.

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Blog de Moda: Mais que um gosto, uma crítica

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Desenho do estilista Mineiro Victor Dzenk, o qual cria guarda-roupa especial para uma das mulheres mais ricas do mundo, a Sheika do Catar Mozah Bin Nasser Al Thani.

O blog de moda é uma dos processos que constituem a moda no século XXI, isso é inegável e é defendido por inúmeros autores, como Fréderic Godart, e não vejo motivos para não se falar a respeito deste veículo de divulgação. No fim o blog é um diário, e ele é um modo das pessoas se envolverem em tempo real com a moda e de formas cada vez mais peculiares e específicas. Isso gerou um mercado próprio que as grandes marcas e grifes se aproveitaram para uma divulgação constante e quase “onipresente”, porém mesmo o blog é suscetível a um empobrecimento intelectual do autor com o próprio objeto em análise, que é a Moda.

” É preciso igualmente mencionar o papel desempenhado pela imprensa profissional e os blogs especializados na difusão dos estilos. Le Journal du Textile na França ou Women’s Daily nos Estados Unidos permitem que os profissionais da moda se mantenham informados sobre as principais evoluções de sua industria. Os blogs, como o The business Of Fashion, criado por Imra Amed, desempenham um papel similar na internet.” (Fréderic Godart; Sociologia da moda, 2010)

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O blog tem o mesmo papel que um jornal, uma revista ou uma novela teria, é um dispositivo de divulgação que procura informar a respeito das tendência, no nosso caso as novelas da Rede Globo fazem isso amplamente. O que é objeto de questionamento são os inúmeros blogs que usam desse dispositivo para promover um gosto pessoal e livre de qualquer embasamento ou pesquisa. Estes blogs se proliferaram pelo mundo da Internet e hoje podem ser considerados ampla maioria, onde o autor é um mero narrador de seus gostos.  Fundamentado pela sociologia, filosofia e a própria história da moda, fica difícil aprovar essa abordagem ingênua e desprovida de qualquer aprofundamento.

Da mesma forma, que há autores comprometidos com uma moda menos baseada em gostos próprios e mais sintonizada com as últimas tendências, o que cria um mundo gigantesco para o próprio leitor se basear. Nota-se que a moda é repertório de tendências da qual o individuo pode se encontrar nestas tendências. O blog de moda, então, deve ter um caráter neutro para a moda, nem favorecendo e nem injustiçando estilos, tendências, roupas ou qualquer outra forma de manifestação da moda. Esse caráter é conquistado pela compreensão e o conhecimento do próprio objeto de análise, pois se julga aquilo que não conhecemos e criticamos aquilo que estudamos. Tenha por crítica uma forma de apreciação minuciosa a despeito de um tema e não uma forma de maledicência contra o assunto em questão.

E você meu caro autor, está pesquisando e estudando aquilo que escreve? 

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Da Moda à Arquitetura: Um retrato do futuro

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O mundo da Moda é uma aventura constante para aqueles que entendem sua profundidade e significado. As roupas e acessórios nos fazem ganhar uma nova visão de nós mesmos, podem revelar se alguém está triste ou mesmo seguro de si próprio. As roupas durante as épocas assumiram os mais diversos significados e relações com as sociedades onde estavam inseridas, mas não se pode falar de moda até, aproximadamente, o fim da Idade Média.

A Villa Savoye, maison Savoye ou simplesmente residência Savoye é uma casa projetada na França , na cidade de Poissy, que fica a 22 km de Paris, pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier em 1928.

A Villa Savoye, maison Savoye ou simplesmente residência Savoye é uma casa projetada na França , na cidade de Poissy, que fica a 22 km de Paris, pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier em 1928.

“O desenvolvimento da moda foi um dos eventos mais decisivos da história mundial, porque indicou a direção da modernidade. Há na moda um traço vital da modernidade: a abolição de tradições. Nietzsche a enfatizou como característica do moderno, por que ela é uma indicação da emancipação, entre outras coisas, de autoridades¹.” (Lars Svendsen; Prefácio; Moda: Uma filosofia; 2004)

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Coleção Le Smoking (Yves Saint Laurent); Entre suas criações, a coleção “le smoking”, como foi chamado, demonstrava uma mudança na forma como as mulheres se vestiriam dali por diante. Nota-se o traço linear e quadrado do corpo, efeitos esses dado pela roupa, em 1966, a Arquitetura também usava o mesmo traçado racional do Modernismo.

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Vestido inspirado em Mondriant ; 1960; (Yves Saint Laurent); Nota-se a planificação e a racionalização do vestido, sem qualquer movimento, mas com ritmo estabelecido pelas cores.

Nessa perspectiva não seria errado assumir que a moda tem um caráter inovador e mutável durante os séculos, ou seja, ela sempre tentará dizer o que será o futuro. E por que não investir mais em nossa própria criatividade para com nossa roupa, pois não há a necessidade, no século XXI, de seguir restritamente as grandes grifes. Este é o século em que mais estamos livres para combinar e montar o lock que quisermos. Isto é liberdade, e liberdade é poder!

A moda atualmente é uma observadora do próprio mundo e o que se passam nele, muitas outras artes poderiam se inspirar nela e em seu “futurismo”. A arquitetura é um bom plano de comparação, mas no caso terei de dividir entre um plano nacional e internacional, pois o Brasil sai de um movimento moderno tardio, mas o plano internacional começa apelar para as “novas formas”. E creio que isso seja o belo na pesquisa da Moda e da Arte, pois a Arquitetura hoje é um amplo mercado livre de dogmas estilísticos e sem qualquer arquitetura única que represente o século. Uma comprovação dessa análise é a própria Dubai, cidade esta que está se montando através de uma cidade futurista.

A Moda se relaciona com as mais inúmeras áreas da vida, da economia e da arte. Eu diria que a arte se torna uma fonte de leitura e reflexão, já que o artista, atualmente, procura sensibilizar o público através da mensagem. É um tipo de arte que está além da dimensão do espaço, ela abrange o tempo, a força do pensamento.

 

Gucci; Primavera/Verão;  Milan Fashion Week 2013. Note que as roupas adquiriram curvas leves e dramáticas, uma nova perspectiva da arte com suas curvas.

Gucci; Primavera/Verão; Milan Fashion Week 2013. Note que as roupas adquiriram curvas leves e dramáticas, uma nova perspectiva da arte com suas curvas.

Zaha Hadid's; Centro moderno de arte na China; A arquiteta distorceu a forma até chegar nessa estrutura ameboide, onde se nota um ritmo entre curvas leves e dramáticas, tal qual a moda.

Zaha Hadid’s; Centro moderno de arte na China; A arquiteta distorceu a forma até chegar nessa estrutura ameboide, onde se nota um ritmo entre curvas leves e dramáticas, tal qual a moda.

Mude a moda e ela mudará você… 

1.Friedrich Nietzsche, Der Wanderer und sein Schatten [1880], in Kritische Studienausgabe, vol.II, Munique, 1988, p.215.

2. Quer saber mais sobre a Villa Savoye, acesse: http://www.cristinamello.com.br/?p=6109

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Moda: mais que um gosto, um processo de criação!

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A moda é um processo de criação que envolve inúmeras partes, sendo ela ,quase que ainda, bem manual. E uma roupa passa por inúmeras mãos até chegar na loja, aonde iremos comprá-la. E é deste processo de divulgação que vamos falar, pois a moda possui um amplo repertório de divulgação de si própria. Pessoas que acompanham tendências e estão antenadas naquilo que está ocorrendo nos maiores centros de moda do mundo ocidental.

A moda jamais dirá o que se deve vestir, sendo essa uma mudança notada já no fim da década de 70. Na década de 80, a moda ganha um caráter independente e as pessoas estariam livres para criar o seu look.

“Na década de 80, a mística da alta costura evaporou-se. As mulheres tinham mais conhecimentos sobre corte e tecidos do que em qualquer época desde a Segunda Guerra Mundial, e toda mulher estava bem equipada para criar seu próprio look.” (Thames and Hudson; Capítulo 10; A roupa e a moda: uma história concisa; 1982)

Essa é chamada pelos historiadores da moda, a Era do individualismo, a roupa ganha o caráter de procurar uma identidade para que o individuo de destaque na multidão e não mais uma tendência esquematizada pelas grandes marcas e grifes.

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Por fim, no contexto atual as tendências baseadas em “achismos” e opiniões próprias sem qualquer embasamento dificultam uma divulgação da própria moda pela internet (blogs e sites) e como profissão. Nisto ela ganha a alcunha de objeto fútil, mas como poderia ser ela fútil e sem qualquer profundidade se ainda nos deparamos no questionamento do que se deve vestir? A moda é um objeto mutável, que deve ser analisado de acordo com sua própria óptica e suas próprias relações com os mais inúmeros setores da vida.

“A moda afeta a atitude da maioria das pessoas com relação a si mesmas e aos outros. Muitas delas negariam isso, mas essa negativa é normalmente desmentida por seus próprios hábitos de consumo. Como tal, a moda é um fenômeno que deveria ser central em nossas tentativas de compreender a nós mesmos em nossa situação histórica.” (Lars Svendsen; Prefácio; Moda: Uma filosofia; 2004)

A moda passa por muitas etapas antes de chegar no consumidor, e com todo esse planejamento e seu processo de criação, ela deve ser desprezada? A roupa é mais que uma aquisição ou um produto, ela é um registro dinâmico de nossa visão em uma determinada época, basta ver uma foto a roupa lhe passará uma sensação de outros tempos, pois ela tem a capacidade de reavivar a memória. Como podemos ser tão pequenos ao crer que essa área da nossa vida não passa de mera frivolidade, mas ao mesmo tempo que a negamos no discurso e na teoria, também reafirmamos o seu valor.

E por isso que a moda se elabora, planeja, modela e se organiza, pois todos os fatos aqui abordados a fazem querer se transformar constantemente. E quando a moda muda, significa que o mundo também está mudando.

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Análise de Figurino: Um estudo histórico, do Egito!

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A minissérie José do Egito, da Rede Record, estreou no dia 30 de Janeiro, de 2013. A minissérie abordou uma das passagens bíblicas, do Antigo Testamento, que se passa no Egito. Não haverá um aprofundamento a respeito da temática da minissérie, enquanto a narrativa, mas sim no que concebe a nós. O figurino, mais especificadamente o egípcio!

Em uma primeira análise deve-se notar uma riqueza de detalhes no figurino da minissérie, é inquestionável que as roupas em José do Egito tentam passar uma cultura egípcia rica e ostentosa. As roupas então assumem detalhes pormenores com a aquisição de camadas, volumes, dinamicidade e os mais diversos acessórios. Entretanto, trata-se de uma falácia interpretativa do que foi o próprio Egito. Este Egito retratado em figurino está longe ainda de alcançar uma veracidade visual.

Diferente de muitas outras civilizações do mundo antigo, o Egito, possui um repertório detalhado de sua indumentária, retratada nas paredes e nas esculturas. O que torna o trabalho de estudo bem mais profundo dessa civilização do vale do Nilo. É visivelmente mostrado que as roupas egípcias eram mínimas e leves, pois o clima quente no Nilo, não permitia uma abordagem de vestimenta tão volumosa e muito menos desagradável ao corpo, tal qual James Laver constata:

“O Vale do Nilo não é mais quente do que o vale do Eufrates, mas a vestimenta egípcia era muito mais sumária e leve do que as da Assíria e da Babilônia. Na verdade, as pessoas das classes mais baixas e os escravos dos palácios andavam, quase, ou completamente nus. O uso de roupas era uma espécie de distinção de classe.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

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Cena de comemoração em Tebas. As dançarinas estão nuas com apenas uma tira de tecido envolta da cintura e outra em suas cabeças, a impressão que fica que a sensualização do corpo era um aspecto central na dança egípcia e a nudez era um aspecto do cotidiano.

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Cena de comemoração em Tebas. Nesta representação nota-se o uso do linho quase transparente como indumentária, mais solto e sem qualquer aderência ao corpo.

Nesta ótica torna-se extremamente difícil validar a minissérie José do Egito, como um retrato de uma cultura, que em seus pormenores (sendo a indumentária) esteja bem retratada. A figurinista Carolina Li foi infeliz em seus estudos e na retratação da moda egípcia de uma forma geral. Preferindo abordar uma interpretação própria da cultura do vale do Nilo. No fim temos uma verdadeira quimera anacrônica! Essa mistura pode ser facilmente observada nas vestimentas da Rainha Tany (Bianca Rinaldi), que de tão belas são puramente mitológicas. O uso da coroa, dos cabelos e maquiagem representam uma grossa falácia estética. É bem sabido que a mulher da corte egípcia não possuía o cabelo alisado, como foi mostrado na personagem, ao contrário as mulheres maduras tinham uma preferência por mechas mais frisadas ou onduladas.

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Rainha Tany (Bianca Rinaldi)

“As jovens princesas retratadas em afrescos também tinham cabeça raspada, mas as mulheres não, sendo seus cabelos às vezes frisados ou ondulados. Os egípcios não usavam chapéu. O que vemos nas cabeças dos faraós é uma coroa, ou melhor, duas coroas, ‘a coroa do Norte e a coroa do Sul’, uma delas com a forma de um pequeno círculo e a outra com a forma de um elmo cônico.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

Nota-se então a incoerência da figurinista em querer adotar um tipo de vestimenta menos aplicável na realidade dos tempos egípcios. A rainha surge mais como uma abstração imaginária de Cleópatra, e mesmo assim errônea, do que realmente um apelo pela verdade. Essa visão interpretativa ganha mais força quando toda indumentária feminina, na minissérie, está aderente ao corpo. Imagina-se que em um clima quente e seco, quando mais leve e larga a roupa fosse mais confortável a pessoa estaria. E a visão de uma roupa colada seria inconcebível em aspectos práticos.

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Ilustração interpretativa de Cleópatra (Artista: Jozef Szekeres); Nota-se uma semelhança igual entre as duas soberanas, no entanto ambas são separadas por muito tempo de diferença. O que reafirma o aspecto anacrônico do figurino de Carolina Li.

“A aparência extremamente justa das roupas femininas em esculturas e pinturas deve-se provavelmente às convenções da arte egípcia; as roupas, é quase certo, eram mais amplas.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

O tratamento na indumentária masculina ganha proporções entre o sagrado e o profano ora representando uma veracidade e outras uma grossa mentira. O personagem Seneb (Sandro Rocha) é o maior exemplo desse mundo profano, pois o uso de couro do Egito era um tabu sério, principalmente em uma sociedade onde os deuses e os animas tinham uma ligação mística. O que torna difícil a aceitação desse personagem no Antigo Egito.

“Diferentemente de outros povos antigos, os egípcios faziam pouco uso da lã, uma vez que as fibras animais eram consideradas impuras. Após a conquista alexandrina, passou a ser utilizada na fabricação de roupas comuns, mas ainda era proibida nos trajes dos sacerdotes e nos usados em funerais. Para esses casos, exigia-se o linho mais fino.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

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Seneb (Sandro Rocha)

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Pentephres (Eduardo Lago)

E a relação do sagrado se mantém com Pentephres (Eduardo Lago) que realmente coloca em prática um dos aspectos da real “moda” egípcia que é a cabeça raspada. No sacerdócio era uma questão moral e religiosa, na vida comum era uma questão de higiene. Os egípcios possuíam padrões altos de higiene o que não dava muita margem aos cabelos, já que estes poderiam ser infestados por piolhos ou outros parasitas. As perucas não eram raras e sim amplamente usadas, feitas de fibra de linho ou de palmeira.

Por fim, temo um quadro de desprezo histórico e um figurino baseado nos “achismos” e em estudos da história egípcia por fontes pouco confiáveis, tal qual a própria figurinista, Carolina Li, revela em uma entrevista para o Terra:

“- Inclusive seriados como Spartacus, Roma e Game of Thrones foram essenciais. Em uma reunião, apresentei as pranchas (desenhos) para a autora Vivian de Oliveira e para o diretor e chegamos a um denominador comum” (Carolina Li) — completou a figurinista, relatando outras fontes utilizadas pela equipe formada por ela e mais oito profissionais.

No que se diz a respeito do figurino egípcio, a minissérie deixa mais que desejar, é uma falácia grossa tirada da interpretação de Carolina Li, através de fontes midiáticas das quais nenhumas das citadas passou-se no período egípcio em que a novela se contextualizada. Criou-se um verdadeiro “Frankenstein” de diversos períodos e interpretações.

Entrevista: http://diversao.terra.com.br/tv/precisei-ler-a-biblia-diz-figurinista-de-jose-do-egito,0dd7e7b77a2ee310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html

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Roupas militares e de sacerdócio possuíam um trabalho de estilo mais rebuscado que a roupa do dia-a-dia no Antigo Egito.

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Sapatos de linho.

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“Rei Aquenaton e rainha Nefertite, XVIII dinastia, 1550-1330 a.C. O rei usa o chanti ou saiote de tecido fino pregueado; a rainha usa a túnica longa ou haik, amarrada na cintura. Ambos usam golas grandes de contas e pedras.” (James Laver; A roupa e a moda: uma história concisa; 1969)

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Perucas foram usadas por milhares de anos, seja de cabelo natural, seja com fibras de linho ou de palmeira.